quarta-feira, janeiro 05, 2005

 

860 anos de história



"O texto não pode acabar aqui: oitocentos e sessenta anos de história, polvilhados com inúmeras conquistas de grande relevância não podem ser votadas à galeria de “Glórias Passadas”, instantâneos de um passado ilustre para o qual não se vislumbra no imediato repetição. Fazemos então uma grande festa em memória desses feitos antes de “fechar” definitivamente o país? E quem fica com as chaves do mesmo?
Não, o país não pode ser “fechado”, pelo que a solução passa pelo cerrar dos dentes e de fileiras em torno do futuro. A situação não é famosa, mas temos um grande trunfo: a convicção de que sabemos, podemos e conseguimos fazer muito melhor — exemplos do sucesso dos Portugueses abundam. Pegando nas palavras de António Borges, ninguém pode “ficar de fora”. Eu não quero ficar de fora! O primeiro grande problema é: Onde é que quem de facto quer ajudar se inscreve? As barreiras à entrada são enormíssimas, pois os “compadrios”, “Factores C” e as “cunhas” são generalizados e grassam em todos os estratos da população. De um modo geral a Meritocracia não passa de um mito, estando a “Nominocracia” implantada no seu lugar. Para ascender a lugares onde se consegue ter impacto, é necessário entrar no grande “esquema”. E uma vez chegados a esses lugares, há “contas” a pagar e “favores” a acertar. O que o “esquema” não derrota, a mesquinhez e a inveja encarregam-se de trucidar. E assim continuamos.., de derrota em derrota, de abismo em abismo.
Face a este panorama, o que fazem os jovens? A grande maioria desiste, entrega os pontos, chega à conclusão que não vale a pena remar contra a maré e acomoda-se. Perde-se a energia, a motivação, a inovação, a vontade de fazer algo diferente. Outros, um pouco mais ambiciosos, convertem-se ao “esquema”, e contribuem para uma “regeneração” contínua do “status quo”.
Mas ainda há aqueles, poucos, que se revoltam contra este doce/amargo torpor. E que fazem estes? Invariavelmente, optam por emigrar. Lá fora as barreiras à entrada e à saída afiguram-se bem menores, em sociedades onde a Meritocracia dita regras – explicando e justificando os lugares de destaque ocupados por Portugueses — e se conjuga de um modo eficaz com um mercado em tudo mais flexível, mais justo, mais transparente. O “impossível” revela-se possível, acessível e praticável. Dos que ob têm sucesso, a maioria opta por não regressar — o esforço necessário para implementar as mudanças de métodos e mentalidades necessárias afigura-se como um verdadeiro Adamastor, de transposição difícil mas indispensável se queremos prosseguir com sucesso no caminho em busca de um futuro viável e sus rentável. Essas mudanças são fracturantes, pois colocam em causa as fundações do “esquema” e da “Nominocracia” e resultarão inevitavelmente na perda de poder, influência e benefícios para os participantes no “esquema”. Assim se compreende que a visão de curto prazo, a mesquinhez e a inveja unam esforços no sentido de inviabilizar qualquer tentativa de mudança, mesmo antes de esta arrancar.
Os que ponderam regressar são periodicamente aclamados como salvadores em situações de crise, quais “D. Sebastião”, e esfumam-se sucessiva e invariavelmente em ondas de nevoeiro quer por se aperceberem da tarefa hercúlea que os espera, quer porque na “hora H” lhes é retirado o tapete debaixo dos pés. E no entanto imperativo compreender que a solução não se esgota no regresso de um qualquer salvador, inconsequente sem o apoio de todos — a solução está na verdade cá dentro.., de cada um de nós.
E assim se chega a um ponto em que por muito que doa — e à luz dos oitocentos e sessenta anos de história dói bastante — se começa a ponderar que as vantagens de aceitar que tudo isto vá em “rebajas” podem na verdade ser maiores que as desvantagens... a expectativa é de que mesmo na remota eventualidade da situação não melhorar, as possibilidades de contribuir para a melhorar irão por certo aumentar.
Infelizmente, ao longo desses mesmos oitocentos e sessenta anos, o melhor de cada um de nós tem tendência para vir ao de cima apenas quando nos encontramos em situações onde a nossa independência se encontra verdadeiramente ameaçada..."


Hugo Taxa

in Jornal de Negócios




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